Noite de abertura do segundo Festival Nacional do Conto. Plateia cheia e Elvira Vigna ao fundo. (Foto: Carlos Henrique Schroeder) |
Quem já viu Elvira Vigna ao vivo sabe que Elvira Vigna ao vivo é complexa como as estruturas que ela aplica aos seus romances. Mas quem já a leu também sabe que desvendar tais estruturas, ainda que superficialmente, de leve, proporciona um prazer literário fascinante: o mesmo raciocínio pode ser aplicada à conferência que a autora carioca (radicada em São Paulo) ofereceu na abertura do segundo Festival Nacional do Conto, em Jaraguá do Sul, Santa Catarina (leia mais abaixo).
João Anzanello Carrascoza é redator publicitário e professor universitário, e com algum macete paulista conseguiu arranjar tempo para construir uma carreira literária de contista das mais reconhecidas no país. Alfredo Bosi, Cristovão Tezza, João Silvério Trevisan, Ronaldo Correia de Brito e Nelson de Oliveira são alguns dos nomes que andam junto com Carrascoza nas orelhas elogiosas de seus livros. O mais recente, Aquela água toda (2012), foi lançado pela Cosac Naify numa edição caprichada. Na primeira noite do Festival Nacional do Conto, Carrascoza falou da sua formação como leitor, da vida literária profissional e também da sua ideia sobre o gênero conto (leia mais).
Ao fundo, Elvira. (Foto: Carlos Henrique Schroeder) |
A impossibilidade da arte
Antes de se falar qualquer coisa, fica o recado para leitor: a conferência que Elvira Vigna proferiu em Jaraguá estará no seu site pessoal em breve. (Atualização 11/08: O texto saiu neste sábado, no caderno Prosa, do jornal O Globo).
Em um diálogo insistente com o pintor francês Edgar Degas (1834-1917), Elvira teceu uma definição muito própria do gênero e explicou a sua relação com ele. Para ela, o conto é mais imagem do que palavra. “Imaginar Degas, um obsessivo por limpeza, misógino, dentro de uma sala escura: isso é um conto”, disse.
Elvira ressaltou que a obra do pintor francês, além de ter uma preocupação constante com a sua própria essência como arte, também aponta para uma quebra de linguagem, um espaço em que as palavras (ou a representação artística visual) não querem dizer mais nada, ou não conseguem. “Como somos todos linguagem”, refletiu, “isso é grave”.
Fotografia tirada por Degas, em que estão Mallarmé e Renoir. Ao fundo um espelho. Uma tentativa (frustrada?) do artista perceber si próprio em sua obra. |
Há, para Degas segundo Elvira, uma dificuldade em perceber o si próprio na obra, uma ambivalência: “Se aquilo que você faz, você faz para provar que não existe... é complicado”, porque no fundo há um mal-estar sempre presente no fato de se admitir como criador artístico. A escritora exemplificou: Degas, que inevitavelmente era pintor, entrava em seu ateliê de pintor, e pintava autorretratos, representando si mesmo com roupas formais, terno e gravata, as quais, evidentemente, não são usadas por pintores na hora de pintar. Há uma contradição implícita.
Ao mesmo tempo para a literatura. Piglia citou Tchekhov, e Elvira lembrou-se dos dois e da história do homem que ganha um milhão, volta para casa, e se mata. “Não há explicação: quanto mais se explica, mais se dilui, mais se está longe do impacto”. Questionada sobre a sua visão de um romance (afinal, Elvira é essencialmente uma romancista), a autora disse que o romancista é mais teimoso. “O grande contista sabe que vai fracassar, e para no caminho. O romancista quer colocar um antes e um depois, que nem eu, e acaba com um livro maior”.
A conclusão do seu ensaio ao vivo, que cita um trecho de um romance seu de 1997 (Assassinato de Bebê Martê, publicado pela Companhia das Letras), é arrebatadora. Merece ser lida.
“A ideia do conto é pintar uma cena, apreender um instante”
Carrascoza lê o conto inicial do seu livro Amores Mínimos. (Foto: Carlos Henrique Schroeder) |
Num tom mais informal, numa mesa mediada por Carlos Henrique Schroeder, João Anzanello Carrascoza, que também esteve presente como convidado na última FLIP, reforçou o que já havia falado naquela ocasião: a sua ideia do gênero passa por uma tentativa de apreensão de momentos, muitas vezes epifânicos, de ruptura. “Drummond falava que há reservas de poesia no mundo: por que não buscamos isso com mais frequência?”, questionou o paulista nascido em 1962.
O autor também retomou a sua proposição de conto-riacho, esclarecida em um texto publicado na edição nº 4 do jornal Cândido. Conclui Carrascoza naquele texto, que teve suas ideias reforçadas nesta quinta-feira: “Em outras palavras: o riacho, em sua nascente, já é atraído pela sua foz. Qualquer conto é, portanto, metáfora da existência, apreendida numa metonímia. Riacho-instante”.
Sobre a sua preferência pelo conto, Carrascoza foi pragmático. “Eu trabalhava em agência de publicidade: saía de casa 9h da manhã e voltava depois das 23h. Eu tinha que desenvolver histórias que em poucos dias, no curto espaço de tempo que eu tinha para escrever, antes das 9h, estivessem concluídas. Se não, tinha que mudar de agência, procurar outro trabalho, porque aqueles personagens ficavam ali, me perturbando por semanas”.
“O conto então passou a ser o meu habitat”, disse o autor que também tem romances publicados, mas que são encaixados na área infanto-juvenil. O escritor também falou sobre a crítica literária. “A crítica precisa colocar a obra em ação com o público, se não fica difícil”, disse, dando a entender que o espaço destinado à literatura contemporânea é insuficiente.
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Nesta sexta-feira, às 20h, no SESC Jaraguá do Sul, o Festival Nacional do Conto recebe Paulo Scott e Luiz Felipe Leprevost, para um bate-papo que discute as relações do conto com outras formas de expressão. Mais informações aqui.
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