quinta-feira, 9 de agosto de 2012

Carlos Henrique Schroeder: "A ideia é deslocar um pouco o eixo do debate"

Do twitter @xroeder
De hoje a domingo, acontece em Jaraguá do Sul, Santa Catarina, a segunda edição do Festival Nacional do Conto. Escritores de vários estados estarão na cidade da região nordeste de Santa Catarina (50 km de Joinville) debatendo o gênero que no senso-comum-literário pouco vende, mas que no Brasil carrega uma tradição fortíssima. Mais recente vencedor do Prêmio Camões, prêmio considerado o maior da língua portuguesa em todo o mundo, o curitibano Dalton Trevisan investiu sua carreira literário no gênero, inclusive na reinvenção dele. Curitiba também cede dois autores para a próxima edição do Festival: Luís Henrique Pellanda e Luiz Felipe Leprevost.

Além dos dois conterrâneos, estarão em Jaraguá Elvira Vigna, João Anzanello Carrascoza, Luiz Ruffato, Ricardo Lísias, Paulo Scott, André de Leones e... Carlos Henrique Schroeder, é claro.

Também escritor e uma das referências do meio literário virtual brasileiro, Schroeder é o idealizador e curador do Festival em Jaraguá. Seu livro mais recente, As certezas e as palavras, publicado em 2010 pela Editora da Casa, venceu o prêmio Clarice Lispector, concedido pela Fundação Biblioteca Nacional. O livro está disponível online neste link.

Na entrevista a seguir, concedida ao blog, Schroeder fala, entre outros assuntos, sobre a sua ideia de deslocar o eixo geográfico do debate sobre literatura, o caminho sem volta da pulsão criativa, e de panelinhas literárias: “panelinhas existem em todas as áreas. Jesus Cristo tinha a dele, não tinha?”.

Biblioteca Vertical: De cara: conto vende pouco e Jaraguá do Sul não está no centro do cenário editorial brasileiro. O que o Schroeder curador busca de um festival nesta cidade e que tem como centro um gênero com pouco apelo comercial?

Carlos Henrique Schroeder: Bom, a ideia é bem essa, deslocar um pouco o eixo do debate, trazer as discussões para o sul do país, que não tem grandes festivais literários, tampouco um número expressivo de grandes editoras. Venho estudando o conto há mais de uma dezena de anos e cada vez mais me embrenho numa floresta escura e perigosa. O fato é que eu quero que mais pessoas entrem nesta floresta comigo. O conto foi ignorado por anos pelas grandes editoras, e vários prêmios ignoram o gênero (como o São Paulo) ou fazem a asneira de misturar conto e crônica, como o Jabuti e o Portugal Telecom.

BV: Ainda falando do conto como gênero. No jornal Cândido (nº 4, de novembro passado), o contista Luís Henrique Pellanda (que não por acaso participa da próxima edição do Festival em Jaraguá) diz que o conto dele não quer nocautear ninguém, mas antes “se acomodar dentro dos leitores e de suas casas. Fazer parte da mobília e da memória de cada um. Misturar-se à tralha pessoal que, a um só tempo, nos humaniza e individualiza”. Como contista e curador de um festival cuja temática é o conto, sua ideia do gênero se aproxima dessa reflexão?

CHS: A minha ideia de conto é minha ideia da literatura, uma ideia de deslocamento, de movimento. Há alguns anos venho estudando os processos criativos de alguns escritores, e cada vez mais me embrenho num caminho sem volta. Os fatos que impulsionam um escritor são sempre diversos, mas o que o arrasta para a escrita é sempre a pulsão criativa. Escrever é imperativo, uma necessidade, isto é certo.

Enquanto tentava formular uma teoria própria sobre o fazer literário, me deparei com uma entrevista do escritor argentino Juan José Saer, que resume em um parágrafo todo o dilema da literatura: “Há duas teorias sobre a escritura: uma afirma que ela está sempre no final e outra que está sempre no princípio. A primeira diz que a escritura é o corolário da experiência, que à medida que nos tornamos mais velhos adquirimos mais experiência e escrevemos melhor, e a segunda, a teoria da produção textual, diz que o texto gera seu próprio sentido. Poderíamos dar o exemplo de Goethe, que escreveu muitíssimo aos seus 70 anos, mas também podemos dar o exemplo de Rimbaud e Lautréamont, que escreveram seus textos mais sublimes quando ainda jovens, Rimbaud antes dos 19 e Lautréamont aos 21 ou 22 anos. Creio que as duas teorias têm algo de verdadeiro e algo de falso: a experiência não assegura o valor de uma escritura e a produção textual que não está controlada pelo intelecto não funciona autonomamente. A teoria da escrita automática pode ser válida para certos textos, mas deixa fora uma imensa maioria.”

BV: Muito se fala, à luz de uma ou outra antologia, da formação de panelinhas literárias, que muitas vezes resvalam na organização de eventos como o Festival Nacional de Contos. Como você analisa esse tipo de formulação? Ela tem alguma relação com a localização, digamos, geográfica dos escritores e profissionais da literatura?

CHS: Panelinhas existem em todas as áreas, culturais ou não. Jesus Cristo tinha a dele, não tinha?  Mas o bom curador deve ficar atento, pois ele serve ao evento, e não às panelinhas. E a tarefa do curador de um evento literário é sempre ingrata, pois tem que lidar com o ego de escritores. E você sempre acaba desagradando algumas pessoas, isso é normal em qualquer escalação: no futebol ou numa antologia.

BV: Você é hoje em dia uma referência no cenário da literatura brasileira que tem como a internet seu principal meio de divulgação. Essa atuação, especialmente em redes sociais, é fundamental para escritores da sua geração?

CHS: Eu sou de uma geração que nasceu na década de 1970,  viveu a popularização do videocassete, do DVD, do vídeo-game, do micro e da internet. Uma geração que foi radicalmente influenciada por tudo isso. Eu sou viciado no twitter, tenho que ficar me policiando para não ficar o dia inteiro nele. Tenho uma boa relação com ele, já não me dou tão bem com o Facebook, talvez não tenha filtrado bem.  Acho que as redes sociais são imprescindíveis como ferramenta de marketing para os autores. Mas aí você diz, fulano de tal não tem twitter nem face, mas podes observar, a editora dele tem e não cansa de usar para divulgar. Vivemos em outros tempos, e temos que usar as ferramentas disponíveis a nosso favor.

BV: Nunca tivemos um mercado editorial tão aquecido: falando além dos best-sellers, vários escritores com ambição estética hoje conseguem viver da literatura e de seus objetos (palestras, oficinas, eventos). Porém, não se pode dizer que as vendas desses mesmos escritores ultrapassem com frequência a tiragem inicial. Dá pra explicar essa contradição?

CHS: São raros os escritores no Brasil que vivem de direitos autorais, o mais comum é viver de cursos, palestras, aulas, projetos ou de outros trabalhos. E não há nada demais nisso, vejo no caso da música, quando a era das gravadoras terminou, com o download de músicas, os músicos se adaptaram rapidamente, vivendo de shows, licenciamentos etc. Um escritor ganha em media 10% do preço de capa de um livro, mesmo se ele vender 3.000 exemplares de um livro de R$ 30,00, só terá R$ 9.000,00 de direitos a receber. Mas ele demorou um ano para escrever o livro e outro ano para vender isso tudo, então temos R$ 9.000,00 dividido por 24 meses. Menos que R$ 500,00 por mês.  O fato é que não é fácil ser escritor num país como o Brasil, que quase não lê literatura contemporânea brasileira.

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Serviço
Festival Nacional do Conto
Jaraguá do Sul (SC)
De 9 a 12 de agosto de 2012

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O autor deste blog estará em Jaraguá do Sul cobrindo as mesas e o evento. Acompanhe!

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