sábado, 26 de janeiro de 2013

Retrato de um viciado quando jovem, Bill Clegg

*Nota: eu comprei esse livro no saldão da Fnac, a hardcover americana, da Little Brown, saiu por R$5,90, coisa assim. Foi essa edição que eu li, mas o livro foi publicado no Brasil pela Companhia das Letras em 2011, com tradução da Julia Romeu, sob o título Retrato de um viciado quando jovem. Os trechos, então e é claro, são da edição americana. Na contracapa ainda há elogios de, entre outros, Michael Cunningham e Irvine Welsh.

Os riscos de fazer literatura sobre drogas numa sociedade conservadora são grandes: por um lado, considerar o tema um tabu e não colocá-lo em discussão é pura hipocrisia; por outro, cair no politicamente correto, por exemplo, é fácil (lembre-se, estamos falando de literatura). Então, para o leitor, o primeiro livro do norte americano Bill Clegg, Portrai of an addict as a young man, é no mínimo um livro perigoso.

Perigoso porque o relato pode muito bem passar pelo pornográfico: um passeio na própria e crua desgraça em que o autor-narrador se envolveu: aqui a mesma pessoa, porque o livro é um livro de memórias.

Clegg era um alcóolatra com uma aparente propensão ao caráter transgressor das drogas. O vício ao crack veio numa escapada - Clegg, que até então tinha uma namorada fixa, também se descobre homossexual. Um dia, ele encontra um advogado conhecido e quarenta anos mais velho, que o convida para tomar um drink na sua casa, e oferece crack. 

“The taste is like medicine, or cleaning fluid, but also a little sweet, like limes. [...] A surge of new energy pounds through every inch of him, and there is a moment of perfect oblivion where he is aware of nothing and everything. [...] It is the warmest, most tender caress he has ever felt and then, as it recedes, the coldest hand. He misses the feeling even before it’s left him and not only does he want more, he needs it”.

Isso acontece pouco antes da metade do livro. Antes disso, o leitor já acompanhou boa parte da rotina do autor enquanto ele se droga: aqui é onde o livro pode esbarrar no simples relato e perder força. Oras, não é problema nenhum escrever sobre o seu próprio e antigo vício, mas passar mais de 100 páginas descrevendo a pantomima que é ir de hotel para hotel para encontrar quartos isolados, entrar em contato com os traficantes e fumar pedra rezando por um ataque do coração parece... sensacionalismo? Sinceramente, é difícil dizer.

“Acres of time, a bag of crack, company lined up, and a hotel less than a minute away. I’ve just missed two flights, e-mailed Kate and relinquished any say or stake in our agency, tossed my career down the chute, and stood up my beloved and no doubt frantic boyfriend. I’ve done all these things and I couldn’t be happier”.

Bill Clegg (Divulgação)
Essa rotina é narrada na primeira pessoa. Outros capítulos do livro, escritos em terceira pessoa, revelam pedaços marcantes da infância, adolescência e até da vida adulta do autor, e um episódio particularmente: a dificuldade que ele tinha para urinar quando criança. Há um paralelo muito claro entre a vergonha de ser pego tendo grandes dificuldades para urinar, enquanto criança, e a vergonha de ser pego fumando crack, já adulto e bem sucedido. 

Aqui há uma questão: é complicado definir onde começa e onde termina a tentativa do autor de fazer uma auto-psicanálise e descobrir causas do seu vício, o que seria uma manobra no mínimo evasiva.

O que mais me impressionou durante a leitura foi a ansiedade do autor em relação ao produto que ele, no início, escolheu consumir: a primeira linha diz tudo “I can’t leave and there isn’t enough”. Nunca é o bastante, uma tragada nunca é suficiente, e poucos minutos sem um “hit” parecem (ou ele faz parecer) uma eternidade.

O livro é bem escrito, se utiliza de estruturas variadas, o que é sempre positivo, mas não é genial. Há pouca novidade. E claro, ler as memórias de um maníaco egocêntrico viciado em crack pode não ser a leitura leve e agradável de domingo que você está procurando.

*
Portrait of an addict as a young man: a memoir
Bill Clegg
Little, Brown and Co. (2010)
222 páginas

Retrato de um viciado quando jovem
Bill Clegg
Tradução: Julia Romeu
216 páginas
Preço sugerido: R$41,00






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Se você gostou desse, provavelmente também vai gostar de:

Trainspotting
Irvine Welsh
Tradução: Daniel Galera e Daniel Pellizzari
Rocco (2004)
352 páginas
Preço sugerido: R$43,00


segunda-feira, 14 de janeiro de 2013

Cândido

Passei dez meses trabalhando na Biblioteca Pública do Paraná, na Divisão de Difusão Cultural, num período de transição muito bacana. A BPP deixou de ser apenas um prédio marcante no centro de Curitiba com milhares de livros para se tornar um ponto de cultura importante da capital, tudo isso sob o comando do jornalista Rogério Pereira.

Uma das realizações importantes foi a criação do jornal Cândido, hoje já conhecido no Brasil todo. A fim de fazer uma mini retrospectiva, e aproveitando que agora todas as edições estão disponíveis no site do jornal, listo abaixo a minha contribuição para o projeto. Todos os textos foram editados pelo jornalista Luiz Rebinski Jr, editor do jornal. Sem essa edição, os textos não seriam metade do que são.



Nº 1 - Agosto 2011


“Na verdade, todo livro é um fracasso. Alguns são grandes fracassos. Do ponto de vista do escritor, o livro escrito está sempre aquém do livro imaginado. Então, quando vêm as críticas negativas, embora machuquem, elas são afagos perto das críticas interiores que fazemos. O escritor é um ser fadado a essa insatisfação crônica, que o leva a experimentar-se sempre. Aliás, todo bom livro é um livro experimental, na medida em que tentamos dizer algo pela primeira vez.”

Nº 2 - Setembro 2011


Dos 18 mil livros emprestados por mês nos balcões da Biblioteca Pública do Paraná, mais de 250 vão parar nas mãos de nove técnicos, que têm a missão de tornar os livros utilizáveis novamente


Nicolau, jornal editado por Wilson Bueno entre as décadas de 1980 e 1990, agitou a cena literária brasileira, alcançou tiragens enormes, ganhou diversos prêmios, fez carreira internacional e ainda hoje tem seu nome indissociavelmente ligado à figura de seu editor

Nº 3 - Outubro 2011


Gênero sem tradição no Brasil, a literatura de fantasia tem conquistado milhares de fãs e seus autores, best-sellers nacionais, incutido o prazer da leitura em adolescentes e jovens

Nº 4 - Novembro 2011


Escritor e crítico, Sérgio Rodrigues fala sobre a democratização da “conversa” literária na internet, onde se tornou referência com seu blog Todoprosa, e da rotina de um leitor profissional que tem a difícil tarefa de comentar a cena literária da qual faz parte 

“Não se pode reduzir a crítica literária à “crítica de rodapé”. Esta é um fenômeno do século XX, certo, e tem tanto a ver com a história da literatura quanto com a história do jornalismo — mais até com esta, imagino. Mas a crítica literária existia antes disso e continuou a existir depois. Qualquer texto, seja jornalístico, acadêmico, ensaístico, blogueiro ou o que for, que dê uma contribuição inteligente, bem informada e original à leitura de uma obra literária, é um texto de crítica literária.”

Nº 5 - Dezembro 2011


Um dos autores mais talentosos de sua geração, Michel Laub também tem se destacado comandando disputadas oficinas de criação literária 

“Tudo interessa: ideias, linguagem, ritmo narrativo, história (ou falta de história). Cada escritor opera de um jeito. Tenho a sensação de que meu último livro, Diário da queda, vale mais pelas ideias e a história do que pela linguagem em si. Mas ele não deixa de ter um trabalho até que bastante elaborado de linguagem (custou meses e meses de chateação, posso garantir).”


Dono de uma prosa experimental, pautada pelo humor e situações absurdas, Manoel Carlos Karam também deixou marcas no teatro e na imprensa paranaense

Nº 7 - Fevereiro 2012


Mais do que simples detalhe, capas e projetos gráficos são objeto de fetiche para muitos leitores e podem determinar o sucesso de um livro

Nº 8 - Março 2012


As obras de Manoel Carlos Karam, Jamil Snege, Wilson Bueno e Valêncio Xavier tinham pouca conexão entre si, mas estavam ligadas a um traço marcante da literatura curitibana: o gosto pela experimentação 


sexta-feira, 4 de janeiro de 2013

Wilson, Daniel Clowes


1.
O ponto alto da HQ Wilson (Daniel Clowes, Quadrinhos na Cia., 2012) foi um acidente. As mudanças de forma (no traço, nas cores, na própria representação do desenho) saltam aos olhos numa época em que o narrador - qualquer narrador - está sempre sob vigilância. Mudar o registro seria (ou foi) uma forma de andar na linha que separa a genialidade da eficiência, tendendo para a primeira. Saber que isso foi um acidente faz tudo cair na segunda.

2.
Porque sem dúvida Wilson é eficiente: conta uma história interessante, de um personagem marcante, tem seus momentos tristes e momentos engraçados, e um final arrebatador. Além de tudo isso, a mudança de registro.

3.
Wilson começa realista: o registro é o registro de Clowes para uma pessoa normal, digamos, proporcional, praticamente fotográfico. Ele estranhamente começa dizendo “Eu amo as pessoas!”. As páginas são capítulos e são tiras independentes, que juntas formam uma história maior (o que chamam de graphic novel). Nesse mesmo capítulo, após uma mulher falar muito sobre um problema no computador, Wilson conclui: “Meu deus, por que você não cala essa boca?”.

Capítulo 1 (Trecho disponível no site da Companhia das Letras)

4.
No capítulo seguinte, o registro muda. Agora, Wilson é uma pessoinha caricata, que parece menor, num traço bem mais fantasioso. Claramente, um desenho do mesmo Wilson da página anterior. Agora, o personagem nos fala: ei, vejam bem, eu sou um quadrinho. Nesse capítulo, ele começa pessimista, termina pessimista.

Capítulo 2 (Trecho disponível no site da Companhia das Letras)

5.
Na próxima página, o registro muda novamente. Agora, há uma cor dominante e o traço é novamente realista, embora isso não seja regular; há uma mistura de registros em alguma medida não mensurável. De alguma forma, isso fragiliza o que seria uma sacada genial: foi aleatório. Nesta entrevista para a Folha de S. Paulo, o autor diz que fez assim “porque isso meio que replicava o sentimento que você tem quando pensa em si mesmo em determinado dia. Num dia, você se vê sob uma luz negativa; no outro, de outra maneira, numa visão que segue o seu humor. Quis capturar algo sobre a maneira como nos vemos no mundo”. Mas ainda fica aquela coisa: uma ideia tão boa poderia ser usada de maneira muito mais adequada, mais poderosa.

Capítulo 3 (Trecho disponível no site da  Companhia das Letras)
6.
Em mais de um lugar por aí eu li, mas não é muito difícil fazer a inferência (é só olhar bem o retrato da capa): embora Wilson seja da Califórnia, a semelhança física e humorística com Woody Allen é qualquer coisa significativa.

7.
Resumindo, a história é de um personagem que passa o tempo todo tentando recompor laços afetivos, ou, quando coerente, lembrando-se deles (em, por exemplo, “Mãe” e “Casamento”, dois dos mais comoventes capítulos da história). Some-se isso a uma personalidade pessimista, mordaz e cara-de-pau, já dá pra ter uma ideia do personagem.

Daniel Clowes (Foto The Observer)

8.
A (auto)ironia é uma arma eficiente da ficção norte-americana. Woody Allen, ora. Tão presente que um grupo de escritores compôs um movimento para negar a ironia do sistema cultural daquele país, por acreditar em outros caminhos. De qualquer forma, Wilson está bem inserido naquele primeiro grupo. As sacadas ácidas e o humor pessimista e contundente fazem a HQ valer a leitura.

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Wilson
Daniel Clowes
Tradução: Érico Assis
80 páginas
Preço sugerido: R$39,00

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Se você gostou desse, provavelmente também vai gostar de:

Zuckerman acorrentado
Philip Roth
Tradução: Alexandre Hubner
552 páginas
Preço sugerido: 49,00

Quer um personagem norte-americano mais marcante do que esse?