sexta-feira, 4 de janeiro de 2013

Wilson, Daniel Clowes


1.
O ponto alto da HQ Wilson (Daniel Clowes, Quadrinhos na Cia., 2012) foi um acidente. As mudanças de forma (no traço, nas cores, na própria representação do desenho) saltam aos olhos numa época em que o narrador - qualquer narrador - está sempre sob vigilância. Mudar o registro seria (ou foi) uma forma de andar na linha que separa a genialidade da eficiência, tendendo para a primeira. Saber que isso foi um acidente faz tudo cair na segunda.

2.
Porque sem dúvida Wilson é eficiente: conta uma história interessante, de um personagem marcante, tem seus momentos tristes e momentos engraçados, e um final arrebatador. Além de tudo isso, a mudança de registro.

3.
Wilson começa realista: o registro é o registro de Clowes para uma pessoa normal, digamos, proporcional, praticamente fotográfico. Ele estranhamente começa dizendo “Eu amo as pessoas!”. As páginas são capítulos e são tiras independentes, que juntas formam uma história maior (o que chamam de graphic novel). Nesse mesmo capítulo, após uma mulher falar muito sobre um problema no computador, Wilson conclui: “Meu deus, por que você não cala essa boca?”.

Capítulo 1 (Trecho disponível no site da Companhia das Letras)

4.
No capítulo seguinte, o registro muda. Agora, Wilson é uma pessoinha caricata, que parece menor, num traço bem mais fantasioso. Claramente, um desenho do mesmo Wilson da página anterior. Agora, o personagem nos fala: ei, vejam bem, eu sou um quadrinho. Nesse capítulo, ele começa pessimista, termina pessimista.

Capítulo 2 (Trecho disponível no site da Companhia das Letras)

5.
Na próxima página, o registro muda novamente. Agora, há uma cor dominante e o traço é novamente realista, embora isso não seja regular; há uma mistura de registros em alguma medida não mensurável. De alguma forma, isso fragiliza o que seria uma sacada genial: foi aleatório. Nesta entrevista para a Folha de S. Paulo, o autor diz que fez assim “porque isso meio que replicava o sentimento que você tem quando pensa em si mesmo em determinado dia. Num dia, você se vê sob uma luz negativa; no outro, de outra maneira, numa visão que segue o seu humor. Quis capturar algo sobre a maneira como nos vemos no mundo”. Mas ainda fica aquela coisa: uma ideia tão boa poderia ser usada de maneira muito mais adequada, mais poderosa.

Capítulo 3 (Trecho disponível no site da  Companhia das Letras)
6.
Em mais de um lugar por aí eu li, mas não é muito difícil fazer a inferência (é só olhar bem o retrato da capa): embora Wilson seja da Califórnia, a semelhança física e humorística com Woody Allen é qualquer coisa significativa.

7.
Resumindo, a história é de um personagem que passa o tempo todo tentando recompor laços afetivos, ou, quando coerente, lembrando-se deles (em, por exemplo, “Mãe” e “Casamento”, dois dos mais comoventes capítulos da história). Some-se isso a uma personalidade pessimista, mordaz e cara-de-pau, já dá pra ter uma ideia do personagem.

Daniel Clowes (Foto The Observer)

8.
A (auto)ironia é uma arma eficiente da ficção norte-americana. Woody Allen, ora. Tão presente que um grupo de escritores compôs um movimento para negar a ironia do sistema cultural daquele país, por acreditar em outros caminhos. De qualquer forma, Wilson está bem inserido naquele primeiro grupo. As sacadas ácidas e o humor pessimista e contundente fazem a HQ valer a leitura.

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Wilson
Daniel Clowes
Tradução: Érico Assis
80 páginas
Preço sugerido: R$39,00

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Zuckerman acorrentado
Philip Roth
Tradução: Alexandre Hubner
552 páginas
Preço sugerido: 49,00

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