sábado, 11 de agosto de 2012

Princípio do conto como poesia marcou segundo encontro do Festival Nacional do Conto

Paulo Scott, Luiz Felipe Leprevost, Carlos Henrique Schroeder e parte do bom público que compareceu ao SESC Jaraguá do Sul.
Foto: João Chiodini

Paulo Scott é escritor gaúcho, radicado no Rio de Janeiro, e que publicou livros por diversas editoras, as mesmas que agora esperam ansiosamente seus próximos trabalhos. O mais recente, Habitante irreal, publicado em dezembro de 2011 pela Alfaguara, foi considerado o livro do ano. Scott se diz essencialmente um poeta: “Sou poeta e comecei a escrever poesia porque era gago”. A simplificação exagerada revela uma das camadas de um Scott ficcionista: alguém que soube aproveitar a literatura, tomar conta dela e deixar-se tomar conta por ela, ao abandonar uma carreira no Direito que tinha encaminhado sua vida. 

Luiz Felipe Leprevost nasceu em Curitiba, em 1979, e, segundo o próprio, foi criado num clube. Tinha tudo para ser apenas mais um piá de prédio. Mas não foi: foi é morar no Rio de Janeiro, fez uma graduação em Artes Cênicas na Casa de Artes de Laranjeiras (CAL), se fascinou com Vinicius de Moraes e se transformou ele mesmo num poeta. Desde então, publicou livros por editoras de Curitiba e de outras regiões (o mais recente é E se contorce igual a um dragãozinho ferido, pela Arte e Letra), cavou seu lugar na literatura brasileira contemporânea, e usou do conto como fonte e fim de seu trabalho multifacetado, que envolve numa grande proporção teatro e música. “No começo, eu era apenas um ator que subia em um palco, bêbado, e declamava poemas, e queria ser... Jim Morrison”.

Foram as duas figuras que fizeram a segunda mesa do Festival Nacional do Conto, nesta sexta-feira. Mediados por Carlos Henrique Schroeder, os autores conversaram, de forma descontraída, sobre as suas formações como leitores, sobre o papel que o conto exerce nas suas obras e sobre como dois poetas auto-declarados enveredaram para os caminhos da prosa.

Paulo Scott: "O mercado fechado para o conto é
apenas uma questão de ciclo". (Foto: João Chiodini) 
“Antes de tudo”, disse Scott, “quero dizer que a literatura brasileira não seria tão interessante se não houvesse iniciativas de algumas pessoas que querem dividir suas experiências, como acontece com este Festival”. Para ele, é difícil acreditar que haja escritores que alimentem preconceitos do tipo “não leio certo autor porque ele organiza eventos literários”. Citando vários autores contemporâneos, Scott disse que o seu trabalho não funciona se não houver um diálogo constante com eles. “Lendo os contemporâneos, aprendo mais do que lendo os clássicos”, disse.

Falando sobre a sua formação como leitor, Scott lembrou que tinha que buscar uma forma de expressão, uma vez que era uma criança muito tímida. “No Brasil, um cara que me inspirou muito foi o Paulo Leminski”, disse. O mesmo Leminski da Curitiba de Leprevost: “Além de um gosto por poetas portugueses, minha principal referência foi Vinicius de Moraes”, disse o curitibano, não sem declamar, com propriedade, um poema de Camilo Pessanha. “A partir de Vinicius, eu me viciei nesta intolerância com o tédio existencial, nesses lugares que nos deslocam da vida comezinha”, disse.

Leprevost também falou sobre a influência da sua cidade natal, Curitiba, sobre a sua obra e de sua geração. “Nós desmistificamos a autofagia que supostamente existia em Curitiba”, disse. “Mas é claro que temos as nossas influências, algumas origens bastante enraizadas”, afirmou Leprevost, referindo-se especialmente a Manoel Carlos Karam, que foi seu amigo e mentor. 

“Eu escrevo tentando manter uma coerência com as minhas leituras”, afirmou Scott, “mas eu realmente não sei se sou escritor”. “A literatura mexe com a sua cabeça de uma forma que as outras coisas não mexem”, completou. Bastante presente no Twitter, Scott ainda disse estar preocupado com a padronização que a internet promove. “Estamos ficando preguiçosos, e é quase um milagre que as pessoas se entendam”.

Gosto pela poesia
Leprevost: "Na escrita, há sempre a presença
de um imponderável". (Foto: João Chiodini)
Leprevost ressaltou que a primeira voz literária que encontrou em si mesmo foi como poeta, numa mistura entre a influência que teve de poetas portugueses do século XIX com os concretistas brasileiros do século XX. “Por uma dica de um amigo escritor, comecei a perceber uma voz narrativa naquelas poesias”, disse. “A partir daí, mergulhei na obra de alguns contistas, principalmente americanos, como Raymond Carver, John Fante e J. D. Salinger, que eu considero um dos grandes artistas de todos os tempos”.

Scott também revelou que a sua voz literária primeira é a de poeta. “Mas os contos pagam as minhas contas”, disse, ressaltando que a vida profissional de escritor muitas vezes depende de contos escritos para revistas e jornais, por exemplo, e apresentações e orelhas de livros de outros autores. “O problema é quando me empolgo e faço de graça...”, brincou. Ainda num tom bem humorado, deu um conselho para escritores e envolvidos com literatura: “Não tenham inveja, porque a inveja mata, segurem a onda”. “Ninguém vai escrever a obra-prima do século dizendo ‘puta, estou quebrando tudo’.”

“Uma boa peça de teatro te derruba, muda sua vida”
Assim disse Scott quando questionado sobre a influência do teatro sobre a sua obra. “É parecido com a poesia: quando você acha um bom poema no livro, ele já vale a pena. Ver uma peça de teatro que te pega, te derruba, muda a sua vida”.

Leprevost, que tem uma formação de ator, disse que lia os textos teatrais dos autores canônicos, como Beckett e Ibsen, como a própria encarnação dos autores. “Infelizmente, ou não, o teatro me condenou a tê-lo em mim para sempre”, disse. 

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Hoje, às 18h, na enoteca Decanter (Av. Marechal Deodoro da Fonseca, nº1118, sala 101), em Jaraguá do Sul, acontece o terceiro encontro do Festival: André de Leones e Luís Henrique Pellanda fazem a mesa "Conto ao vivo/Conto ao vinho". Acompanhe!

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