terça-feira, 3 de julho de 2012

As correções, Jonathan Franzen


“Acho que homens héteros brancos de classe média têm muito pouco a dizer”. A frase da excelente ficcionista carioca Elvira Vigna está no “As melhores entrevistas do Rascunho”, volume 1, organizado pelo Luís Henrique Pellanda. Nascido num subúrbio de Illinois, Franzen pode muito bem ter sido um dia “classe média” e assim se encaixado na descrição de Vigna: mas, afinal de contas, o autor de As correções tem sim coisas a dizer.

Afinal, desde 1988, são quatro romances enormes (mais de quinhentas páginas, na maioria das edições). As correções (2001) é o terceiro e aquele que projetou Franzen no cenário literário americano: vencedor do National Book Award for Fiction, e finalistas de outros prêmios do primeiro escalão na literatura dos EUA. Além dos romances, Franzen é um ensaísta/articulista profícuo, e tem dois livros de não-ficção lançados no Brasil, toda sua obra pela Companhia das Letras (na FLIP, ele lança Tremor, romance de 1992 inédito no Brasil e Como ficar sozinho, coletânea de ensaios publicados ao longo da última década).

Os artigos sobre Franzen são milhares, no último fim de semana quase todo suplemento literário ou cultural o entrevistou: ele chega ao Brasil como a grande estrela da FLIP. A editora também fez um bom trabalho e tratou de indicar uns livros brasileiros para o já cinquentão ler (Franzen disse que leu e gostou de Chico Buarque, Bernardo Carvalho e Milton Hatoum). 

Não sei se a ideia partiu dele ou dos agentes, mas foi uma ideia muito boa: chega de convidar os caras para o paraíso brasileiro (Parati) e ouvi-los falar “infelizmente não conheço nada do Brasil, só aquele livro cujo narrador é defunto etc”. O mínimo que o cara pode fazer quando vem para o Brasil é ler uns dois livros contemporâneos, hein!

Um parênteses: a história de As correções (que envolve, como nos outros romances do autor, um drama familiar) se passa no final dos anos 1990 e início dos 2000, nos EUA, mas relembra fatos das últimas décadas do século XX. O fato é que, guardadas proporções e anacronismos, o momento que os EUA viviam naquela época lembra vagamente o momento político-econômico que o Brasil vive agora (espero, com fervor, que o nosso caminho leve para fins diferentes dos deles). Outra coisa: Franzen lançou o livro uma semana antes de 11 de setembro de 2001, baita má sorte.

Franzen na capa da Time: Great American Novelist
Bem, enquanto aquilo de ler brasileiros ainda não é costume, Franzen divide opiniões por aqui: há quem se apaixone pela seu enredo complexo e pelos encaixes primorosos, há quem o diminua pela forma tradicional aplicada aos seus romances.

E aí está uma coisa difícil de entender: como é que o escritor pode ser criticado negativamente por escrever um romance painel e enorme de sua época e de seu país? Se o problema é Tolstoi ter escrito coisa parecida em 1800 e bolinha, parabéns para o Tolstoi (todo o reconhecimento aqui, não se engane)! Franzen inclusive reconhece grande inspiração no russo. 

Agora, é difícil encontrar motivos para justificar frases como  “[a grande] narrativa pela redundância quer recompor um lugar que a literatura (saudavelmente) perdeu” ou “Nas grandes narrativas, as convenções têm que funcionar bem, as regras de composição devem ser observadas e os pontos de vista bem clarificados em um todo organizado” (Abraço, Paulo Roberto, você é o cara!).

Criticar Franzen por ser “tradicional” é o modernismo revisitado.

Na primeira página de As correções, o narrador diz: “Três da tarde era uma hora perigosa naqueles subúrbios gerontocráticos de Saint Jude”. Talvez esse seja o lugar, na literatura, que o próprio Franzen ocupa: o subúrbio gerontocrático dos grandes (em tamanho, também) romances.

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Trecho de As correções:
“Ter em vez disso o impulso de pôr-se de pé num salto e atender o telefone — trair de maneira tão impensada todo o árduo desperdício de um dia inteiro — lançou sérias dúvidas sobre a autenticidade de seu sofrimento. Sentia-se como se lhe faltasse a capacidade de perder toda a vontade e conexão com a realidade, da maneira como ocorria com as pessoas deprimidas dos livros e filmes. Teve a impressão, enquanto tirava o som da TV e corria para a cozinha, de que estava fracassando até mesmo na infeliz tarefa de destruir-se da maneira certa.”

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As correções
Jonathan Franzen
Tradução: Sergio Flaksman
586 páginas
Preço sugerido: R$36,00

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O que saiu sobre Franzen na imprensa brasileira nos últimos dias:






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A resenha de hoje é mais curta porque daqui a pouco embarco para São Paulo com destino a Parati, para a minha segunda FLIP. Até lá!

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Liev Tolstói
Tradução: Rubens Figueiredo
Cosac Naify (2005)
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