terça-feira, 17 de julho de 2012

Cordilheira, Daniel Galera

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A literatura à beira do abismo

Daniel Galera, paulista de nascimento e gaúcho de formação, nasceu em 1979 e tem um percurso literário brilhante no sentido prático: usou a internet como plataforma numa época anterior ao blog, criou uma comunidade de escritores e leitores proficiente, o CardosOnline, criou uma editora independente, a Livros do Mal, pela qual lançou seus primeiros livros. Dizer que Galera tem sorte por publicar, hoje em dia, pela Companhia das Letras é um equívoco grave.

Ainda, é tradutor em ampla atividade. Traduziu John Cheever, Irvine Welsh, Hunter S. Thompson, Robert Crumb, David Mitchell, David Foster Wallace (alguns deles em parcerias). 

Cordilheira (2008) foi o primeiro livro lançado a partir da coleção Amores Expressos, uma parceria da Companhia das Letras com a RT Features, que enviou diversos escritores (a maioria deles já pertencentes à geração “internet” ou pós-90) a diferentes cidades do mundo para que escrevessem histórias de amor. Uma encomenda, mas que segundo o próprio Galera, adaptou uma ideia que ele já carregava antes da proposta de viajar a Buenos Aires.

A grande característica estrutural de Cordilheira é a narradora feminina: uma escritora, Anita, viaja a Buenos Aires para esquecer um amor recém despedaçado e a morte do pai. A voz da narradora de Galera não carrega sexismos e não reduz (fato que muitas vezes ocorre conscientemente, e com certo brilhantismo por diversas escritoras) a narração a um tom confessional e carregadamente emotivo. É antes uma voz narrativa clara, a de Anita, portanto, ponto para o escritor.

“Martín notou minha reação e disse que não era necessário ficar muito, apenas o bastante para que me apresentassem a meia dúzia de pessoas diretamente responsáveis pela promoção da cultura brasileira na Argentina. Fiz o possível para reconhecer que essa política de boas relações era importante para a editora em que ele trabalhava (e que tinha me publicado e me pagado direitos e me trazido para cá), mas era difícil. Afinal, eu tinha um segredo por ora inconfessável: não estava nem aí para o meu livro, nem para a editora dele e muito menos para a promoção da cultura brasileira no exterior”.

O livro é dividido em três partes: “Como Água”, pequeno trecho narrado em terceira pessoa, mas estranhamente com o foco narrativo no pai da protagonista, que, agora sim, carrega uma voz difusa, nostálgica, não correspondente à boa execução da segunda parte do romance, “Mamihlapinatapai” (essa sim, com o foco narrativo na protagonista, narrada em primeira pessoa). A palavra será explicada no excelente final do livro (na sessão “Fique para sempre”, em que o foco narrativo novamente se desloca), que não carrega uma surpresa ou uma virada catártica, mas que exatamente por bem executado torna-se memorável. 

Considerado pela crítica um autor mais maduro desde Mãos de cavalo (romance de 2006, o primeiro do autor publicado pela Companhia das Letras), Galera parece querer se livrar um pouco desse amadurecimento com Cordilheira. A multiplicidade de vozes narrativas (tanto na forma quanto no conteúdo: mais de uma vez aparecem trechos de livros escritos por personagens do romance) é uma tentativa de ir exatamente na contramão do estabelecimento de uma voz madura, de autor, diga-se.

É uma experiência arriscada, talvez, mas que foi bem sucedida, especialmente com as duas últimas partes do romance. 

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A imagem da cordilheira também pode ser aplicada ao pedaço da vida de Anita narrado no livro: altos e baixos constantes, mas sempre guiados por um fio invisível que parte ou chega sempre no mesmo alvo, na própria literatura. Mas Cordilheira não é apenas um romance metaliterário: se ele se utiliza de fatores literários, o faz com um objetivo maior do que mostrar erudição ou sacadas do autor. Galera utiliza a literatura para explorar obsessões solitárias e muitas vezes malucas de seus personagens. Tese reforçada por uma reflexão criada a partir de uma citação de Cioran usada em Cordilheira:
“Escritores de ficção têm pouco ou nada a dizer sobre seu país. Toda arte é egoísta, mas a literatura é a mais egoísta de todas. Não há como escrever honestamente sobre qualquer coisa que não seja nós mesmos. Um escritor pode tentar maquiar esse fato com todas as suas forças, mas nunca escapará dele”.
Os personagens do livro (inclusive a própria protagonista) vivem portanto condenados a esta sina: toda literatura fala de mim mesmo, toda literatura traz consequêcias apenas para minha própria vida, toda literatura é o meu destino, mesmo aquela que ainda não foi escrita, e que por isso terei que viver para escrevê-la.
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Cordilheira
Daniel Galera
Companhia das Letras (2008)
176 páginas
Preço sugerido: R$41,50

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Reparação
Ian McEwan
Tradução: Paulo Henriques Britto
Companhia das Letras (2002)
448 páginas
Preço sugerido: R$62,00

2 comentários:

  1. Oi, Guilherme, tudo bem?
    Foi uma surpresa boa conhecer o seu blog, e com certeza vou voltar muitas e muitas vezes, vou te linkar no meu.

    Nos conhecemos na Flip, não?
    Meu nome é Renata Penzani, eu estava trabalhando na Flip, na equipe responsável pelos autores.

    Beijos e até!

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    Respostas
    1. Olá, Renata! Obrigado pelos elogios, espero que as próximas resenhas também te agradem.

      Olha, será que você não me confundiu com o meu amigo Guilherme Magalhães? Ele tem o nome igual, já trabalhou no Cândido e também estava na FLIP hahaha. A diferença é que eu fui mais como turista mesmo, e não como jornalista, dessa vez.

      Beijos!

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