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Selo da Tulipas Negras |
"“A Tulipas Negras Editora estreia no mercado editorial com uma proposta ousada e original. A partir do slogan “Conto não vende? Ótimo. Só publicamos contos”", diz o release de lançamento da editora. A ideia é distribuir pequenos livretos, contendo um conto cada um, gratuitamente. “A Tulipas Negras Editora surgiu do sonho de uma empresária portuguesa de publicar apenas contos e, ao mesmo tempo, distribuir gratuitamente os livros”, afirma Marcio, no mesmo release, se referindo a sua principal patrocinadora, ainda não revelada, se é que existente. E completa: “Toda a equipe que participa do projeto vive em Curitiba. O importante é que todos foram remunerados, dos autores ao pessoal do design”.
A ideia é genial, e de fato já deixou uma marca no cenário literário da cidade: a intenção de revelar novas vozes, ao lado de algumas já estabelecidas, é talvez o que a iniciativa carrega de mais ousado. Ou será o fato de só publicar contos, ou ainda de distribuí-los gratuitamente?
Mas como este blog é um blog de crítica literária, vamos a ela, falar da segunda tiragem da editora, que no fim de junho publicou contos de quatro autores: Luci Collin, Guido Viaro, Izabel Campana e Andrey Michalzechen (as ilustrações são do artista Marciel Conrado).
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Luci Collin é uma voz estabelecida na literatura nacional: ficcionista, poeta, tradutora e professora universitária, autora de mais de 15 livros, integrou a antologia “Geração 90 – os trangressores”, organizada por Nelson de Oliveira, que também tem textos de Altair Martins, Ivana Arruda Leite, Joca Reiners Terron e Marcelino Freire, entre outros.
No conto publicado pela Tulipas Negras (Adoração à virgem), Luci faz um exercício de metaliteratura: transforma a Iracema de José de Alencar (“Aquela que foi um modelo, e cujo nome, sob forma de anagrama, serviu para batizar todo um novo continente (‘América’!)...”) em trisavó da narradora.
O conto, em forma de conferência, traz falas, atitudes e pensamentos (desnecessários no discurso da narrativa) da narradora, e tem um tom de pregação retórica (ou acadêmica) que chega a ser irritante em alguns pontos. Mas a irritação causada é em si uma provocação da autora-narradora e um ataque até sutil ao entronamento da literatura e dos... críticos literários.
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Andrey Michalzechen tem 20 anos e passou por um curso de jornalismo e de letras, não satisfeito por nenhum deles, abandonou tudo.
A estrutura acertada do conto Os relicários é o ponto alto da sua narrativa: ao ficcionalizar um personagem louco, ainda mais em primeira pessoa, Michalzechen cumpre a lição deixada por Faulkner e transforma em loucura a própria estrutura narrativa. Também destaca-se a boa utilização do título e a polvilhada de boas sacadas (“No final, você sabe que o seu médico é mais deprimido que você e que isso faz com que você não se sinta tão deprimido assim”).
O porém ao texto se faz no seguinte sentido: trata-se ainda de um autor que precisa dominar o seu próprio estilo, no lugar de ser dominado por ele. A utilização de frases curtas, uma característica marcante da prosa de Michalzechen, pode ser feita de maneira mais comedida, por exemplo, para justamente alcançar o objetivo a que se propõe.
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Guido Viaro é neto do famoso pintor italiano homônimo que se instalou em Curitiba nos anos 1920 e fez história por aqui: hoje, o neto administra o museu que leva o nome dos dois. Guido Viaro já publicou oito romances e dirigiu três filmes. Ele publicou pela Tulipas Negras o conto Árvore & Cavalo.
Há no conto de Viaro uma experiência formal ousada: uma tentativa de sublimação do idioma e da própria linguagem. No início da narrativa, sob forma de aula, um professor, no ano de 2124, propõe um exercício aos seus alunos: nomear uma imagem que representa um cavalo sobre uma árvore. Depois de uma primeira hesitação que serve como prenúncio (“Mas professor, se quisermos poderemos ficar horas... isso não terá mais fim...”), estabelece-se o diálogo com os alunos, que aos poucos se transforma em outra coisa, numa realização estrutural da própria proposta do autor.
Paro por aqui porque, segundo Viaro, “quanto às palavras, se você for um imbecil elas podem ser perigosas”.
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O conto de Izabel Campana, O destino do poeta, é uma releitura em prosa do poema Nuvens, de Fernando Pessoa (aqui não há nenhuma sacada crítica impressionante, o próprio narrador dá as pistas). A utilização estrutural do espaço (não há como ignorar o espaço formal num livro como esse, cujo formato é, simplesmente, diferente) é a mais acertada dos quatro: numa sucessão de parágrafos, por assim dizer, cada vez menores, a autora desenha no papel uma escada, pela qual o personagem parece descer até o buraco cavado por todos e no qual ele próprio também se afunda.
Afora isso, o tom marcadamente confessional do narrador e a fidelidade com o poema incomodam um pouco, apesar de uma prerrogativa interessante que o próprio narrador se coloca: “Meu azar foi toda a sorte que tive. Sempre tive tudo o que quis. Família, amigos, amor. Tudo em abundância, sempre. Dificuldade nenhuma a frente”. Manoel Carlos Karam escreveu um livro inteiro sobre isso, e disse: “Sabe qual é o nosso mal? Frustrações medíocres. Não temos nenhuma frustração que valha alguma coisa e nos redima". O parâmetro não é justo, mas todos escrevem depois que outros escreveram, e escrever em Curitiba é sempre escrever em Curitiba.
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A autofagia curitibana, mito alimentado nos anos 1980 e 1990 por gente como Paulo Leminski e Jamil Snege (autor pelo qual eu nutro verdadeira veneração), parece ser só qualquer coisa do passado, se é que ela algum dia existiu. Apesar de tudo (e dentro deste tudo o fato de o dinheiro e as grandes editoras estarem “longe” daqui), a literatura de ficção produzida em Curitiba nos últimos 20 anos é consistente e muito bela em vários momentos. A iniciativa de Marcio Renato e dos outros envolvidos na Tulipas Negras Editora merece todos os elogios por tentar movimentar alguma coisa nessa história.
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Luís Henrique Pellanda
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