Foto: Shigueo Murakami / SESC-PR (Clique para ampliar) |
Quarta-feira, 19h30 na Praça Santos Andrade, em Curitiba: mais de 100 pessoas se reuniram para ouvir João Cezar de Castro Rocha e Alcir Pécora sobre crítica literária. A mesa aconteceu em formato de seminário, ou seja, cada convidado tinha aproximadamente vinte minutos para expor suas ideias sobre um possível panorama da crítica literária contemporânea no Brasil. O debate foi mediado pelo jornalista Yuri Al’Hanati.
Após os seminários (veja mais abaixo), os convidados discutiram rapidamente algumas questões, entre elas o “politicamente correto”.
“A questão do Monteiro Lobato no STF abrirá jurisprudência: com ela, poderemos abolir qualquer literatura das escolas”, ironizou João Cezar. “A questão do politicamente correto é muito preocupante e não pode ser tratada como caricatura”. “Não pode acontecer uma transposição ingênua, do politicamente correto, do espaço público (onde ele deve existir) para a universidade”, enfatizou.
“Isso é um desastre, porque a literatura, e a universidade também, são espaços em que se podem exercer pensamentos e linguagens de risco, e essa transposição leva a uma receita prêt-à-porter para a leitura de textos”. E concluiu: “Deveríamos ter mais coragem para pelo menos levantar estas questões”.
Alcir Pécora (Foto: Shigueo Murakami) |
Pécora: distinção entre dois tipos de crítica
“Pensei em dizer coisas sobre a crítica contemporânea de uma maneira geral, não especificamente no Brasil, mas que podem balizar problemas e apontar o que se pode fazer”, começou Pécora, conhecido também por uma relativa antipatia com o cenário da literatura brasileira atual. Ele fez uma distinção básica entre dois tipos de crítica literária: uma mais comum, em que o crítico se coloca diante de um livro e o critica basicamente a partir do que sentiu; e outra na qual o crítico vai além e tenta formular uma hipótese para aquele livro, que busca o “princípio organizativo” da obra.
“A primeira acontece em todos os lugares, também no Brasil, e tanto nos jornais quanto nas universidades”, disse. “Não há nada de errado, mas é um trabalho crítico mais banal, mais comezinho, que pode ser feito de forma mais ou menos convincente dependendo do crítico”. Pécora completou que essa espécie de crítica é útil.
Sobre a segunda orientação, Pécora se mostrou mais entusiasmado. “Aposto no crítico que vai muito além do próprio gosto, que vai buscar a consistência do livro e o âmago fundamental da obra”, disse. “Ele tenta uma ética do objeto, o que não significa submissão: sim ter uma hipótese forte para confrontar o decoro de um objeto com os outros objetos”. Em seguida, o crítico destacou que nada na cultura (e na literatura) existe só: há sempre um confronto fundamental de objetos.
“Outra coisa de que não gosto é uma tendência que existe de as pessoas desqualificarem os atuais estudos universitários de literatura sobre outras épocas como ‘perda de tempo’”, criticou. “É muito importante esse distanciamento, a postura crítica se adquire através da distância: se formos nos curvar a cada objeto novo, podemos perder a noção de que o campo é constituído há muito mais tempo, e isso é um erro”. E concluiu: “Não se trata de negar o presente, mas sim perceber que as obras da cultura estão tão vivas e são tão determinantes quanto os objetos novos”.
Outro fator que Pécora citou, em relação especificamente aos jornais, foi a questão do espaço reduzido para qualquer produção. “Hoje em dia temos que produzir para jornal de acordo com o desenho do que não foi vendido na página”, disse, referindo-se à publicidade nos veículos. “Ainda os jornais dão espaço a algumas poucas editoras, e o que passamos a entender é apenas um fiapo daquilo que é preciso para se formar um lugar consistente de crítica e de literatura”, ressaltou. “Não é o caso para um desânimo coletivo, mas sim de buscar um enfrentamento moral dessa questão”.
João Cezar de Castro Rocha Foto: Shigueo Murakami |
Cátedra x Rodapé
João Cezar de Castro Rocha traçou um panorama da crítica literária no Brasil no séc. XX (resgatando suas ideias publicadas no livro Crítica literária: em busca do tempo perdido?, publicado pela Argos em 2011). Ele propôs três situações e as desenvolveu: (1) crítico como juiz é uma ideia superada, embora a crítica seja mais necessária do que jamais foi; (2) a distinção entre crítica de rodapé (dos jornais) e crítica universitária foi estratégica nos anos 1940 e 50 no Brasil, mas a partir dos anos 80 passou a viver uma crise de reinvenção; e (3) a reinvenção da crítica nas condições contemporâneas exige a superação do cisma entre aquelas duas formas de crítica.
“Em virtude do aumento exponencial de informações, há a necessidade da figura crítica, mas é preciso ter cuidado: aquela importação acrítica do ‘politicamente correto’ norte americano ameaça se transformar numa corrente, quando na verdade é um fascismo light, uma postura autoritária”, disse. “A ideia do crítico como juiz também esteve muito ligada à Galáxia de Gutenberg: hoje em dia, já não há mais controle exclusivo dos meios de divulgação”.
Em relação ao segundo ponto, João Cezar relacionou a criação dos cursos de Letras às vanguardas modernistas e destacou o surgimento do escritor-crítico (que faz certa autocrítica em sua própria obra). “No Brasil, as faculdades de Letras se uniram ao modernismo para começar a ter meios de buscar aquela ética do objeto a que o Pécora se referiu”, disse.
“A crítica universitária herdou uma tradição fortíssima dos jornais e revistas: métodos modernos de estudos literários internacionais, padrão de alto nível nos textos, a união entre tradição humanista e técnica, tudo isso estava presente nas críticas de rodapés dos anos 1930 e 1940”.
Para o crítico, então, é preciso superar esse cisma (“que teve um caráter estratégico de afirmação da Universidade nos anos 40 e 50”), para tirar a crítica universitária das suas características atuais: “uma reduplicação de conhecimento, confusão do saber, e o mais importante: nos últimos 10 anos a crítica universitária não tem dado contribuição real para a renovação da própria crítica”.
“Tem faltado aos professores universitários desejo de se arriscar e vontade dizer coisas que precisam ser ditas”, lamentou.
Como proposta, João Cezar formula que se deve criar um novo método e uma linguagem própria, um equilíbrio, para a nova crítica literária. “A teoria universitária só vale quando posta em resistência com o texto, que não pode ser julgado apenas por um teoria prévia a ele: há que se buscar a vitalidade daquela crítica de rodapé que se fazia muito bem no Brasil na primeira metade do século XX”, resumiu.
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