*Nota: eu comprei esse livro no saldão da Fnac, a hardcover americana, da Little Brown, saiu por R$5,90, coisa assim. Foi essa edição que eu li, mas o livro foi publicado no Brasil pela Companhia das Letras em 2011, com tradução da Julia Romeu, sob o título Retrato de um viciado quando jovem. Os trechos, então e é claro, são da edição americana. Na contracapa ainda há elogios de, entre outros, Michael Cunningham e Irvine Welsh.
Os riscos de fazer literatura sobre drogas numa sociedade conservadora são grandes: por um lado, considerar o tema um tabu e não colocá-lo em discussão é pura hipocrisia; por outro, cair no politicamente correto, por exemplo, é fácil (lembre-se, estamos falando de literatura). Então, para o leitor, o primeiro livro do norte americano Bill Clegg, Portrai of an addict as a young man, é no mínimo um livro perigoso.
Perigoso porque o relato pode muito bem passar pelo pornográfico: um passeio na própria e crua desgraça em que o autor-narrador se envolveu: aqui a mesma pessoa, porque o livro é um livro de memórias.
Clegg era um alcóolatra com uma aparente propensão ao caráter transgressor das drogas. O vício ao crack veio numa escapada - Clegg, que até então tinha uma namorada fixa, também se descobre homossexual. Um dia, ele encontra um advogado conhecido e quarenta anos mais velho, que o convida para tomar um drink na sua casa, e oferece crack.
“The taste is like medicine, or cleaning fluid, but also a little sweet, like limes. [...] A surge of new energy pounds through every inch of him, and there is a moment of perfect oblivion where he is aware of nothing and everything. [...] It is the warmest, most tender caress he has ever felt and then, as it recedes, the coldest hand. He misses the feeling even before it’s left him and not only does he want more, he needs it”.
Isso acontece pouco antes da metade do livro. Antes disso, o leitor já acompanhou boa parte da rotina do autor enquanto ele se droga: aqui é onde o livro pode esbarrar no simples relato e perder força. Oras, não é problema nenhum escrever sobre o seu próprio e antigo vício, mas passar mais de 100 páginas descrevendo a pantomima que é ir de hotel para hotel para encontrar quartos isolados, entrar em contato com os traficantes e fumar pedra rezando por um ataque do coração parece... sensacionalismo? Sinceramente, é difícil dizer.
“Acres of time, a bag of crack, company lined up, and a hotel less than a minute away. I’ve just missed two flights, e-mailed Kate and relinquished any say or stake in our agency, tossed my career down the chute, and stood up my beloved and no doubt frantic boyfriend. I’ve done all these things and I couldn’t be happier”.
Bill Clegg (Divulgação) |
Essa rotina é narrada na primeira pessoa. Outros capítulos do livro, escritos em terceira pessoa, revelam pedaços marcantes da infância, adolescência e até da vida adulta do autor, e um episódio particularmente: a dificuldade que ele tinha para urinar quando criança. Há um paralelo muito claro entre a vergonha de ser pego tendo grandes dificuldades para urinar, enquanto criança, e a vergonha de ser pego fumando crack, já adulto e bem sucedido.
Aqui há uma questão: é complicado definir onde começa e onde termina a tentativa do autor de fazer uma auto-psicanálise e descobrir causas do seu vício, o que seria uma manobra no mínimo evasiva.
O que mais me impressionou durante a leitura foi a ansiedade do autor em relação ao produto que ele, no início, escolheu consumir: a primeira linha diz tudo “I can’t leave and there isn’t enough”. Nunca é o bastante, uma tragada nunca é suficiente, e poucos minutos sem um “hit” parecem (ou ele faz parecer) uma eternidade.
O livro é bem escrito, se utiliza de estruturas variadas, o que é sempre positivo, mas não é genial. Há pouca novidade. E claro, ler as memórias de um maníaco egocêntrico viciado em crack pode não ser a leitura leve e agradável de domingo que você está procurando.
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Portrait of an addict as a young man: a memoir
Bill Clegg
Little, Brown and Co. (2010)
222 páginas
Retrato de um viciado quando jovem
Bill Clegg
Tradução: Julia Romeu
216 páginas
Preço sugerido: R$41,00
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Se você gostou desse, provavelmente também vai gostar de:
Irvine Welsh
Tradução: Daniel Galera e Daniel Pellizzari
Rocco (2004)
352 páginas
Preço sugerido: R$43,00
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