O Brasil existe? Essa parece ser a pergunta que ocupa A máquina de madeira (Companhia das Letras, 2012), romance mais recente de Miguel Sanches Neto (1965). Como o próprio diz, esse é um romance de um país antigo e atual. É verdade.
A classificação de romance histórico é inevitável: o livro conta a história de Francisco João de Azevedo (1814-1880), padre e inventor brasileiro que teria desenvolvido a primeira máquina de escrever do mundo (pelo menos, capaz de ser produzida em escala industrial). Francisco existiu de fato, assim como sua invenção e como boa parte da história desse livro. Isso é importante na medida em que reconhecemos o extenso trabalho de pesquisa do autor; desimportante se alguém quiser considerar onde começa e onde termina a ficção. Porque A máquina de madeira é um romance histórico, ambientado especialmente no Rio de Janeiro (mas também no nordeste), que conta a história de um brasileiro empreendedor habitante de um país, ele sim, de madeira.
Porque é a essa conclusão que se chega durante a leitura do romance: a máquina de madeira é o próprio Brasil. O século XIX brasileiro é no mínimo conturbado, e talvez toda a movimentação política interna do século tenha fechado os olhos do país (ou de seus dirigentes mais importantes) para a questão do progresso material (sempre duvidosa, mas, naquela altura, obviamente necessária).
“Não há indústria mais necessária para o país, pensava dom Pedro, do que a de beneficiamento de madeira. Nossas madeiras, tanto pela variedade quanto pela qualidade, se sobrepõem às de outros países. Se nosso próprio nome vem de uma madeira, são as árvores o que melhor nos representam”.
Não houve uma política marcante de desenvolvimento econômico sólido. Antes, a importação em massa de (falo com base no romance) ferro. Porque, aparentemente, era isso que era necessário para o país crescer (ser um país de verdade): ferro. Poderíamos resumir assim: o romance trata da história do padre Francisco buscando alguém que possa fundir a sua máquina de madeira. Ou: o romance trata de uma metonímia da história do Brasil buscando ferro em outros lugares para fundamentar a sua própria unidade como país. Ambas as descrições estariam corretas.
Miguel Sanches Neto (Divulgação Companhia das Letras) |
O romance é dividido em duas partes maiores, “Londres” e “Nova York”; ambas fugas fracassadas para as duas cidades, que supostamente acompanhariam a mente avançada de um brasileiro com olhos para o futuro. O narrador parece ser sempre aquela terceira pessoa distante, do próprio séc. XIX. Isso muda quando Sanches Neto insere no romance variações estruturais (ao usar diferenças tipográficas, como o itálico, ou formatações de notícias de jornal, por exemplo) que criam a dinâmica na leitura.
O trabalho da própria linguagem também aparece: especialmente por sutis escolhas de vocabulário, um português não muito diferente, mas que remete ao séc. XIX, é usado para narrar a história (o autor falou sobre isso numa entrevista, clique aqui; ele disse que se apropriou da linguagem de diários e anotações pessoais da época para criar um idioma mais próximo, mas não oficialiesco, alencariano).
Em outra interpretação da história, também podemos ressaltar o papel secundário que a máquina ocupa, paradoxalmente. Depois de sua invenção, é urgente encontrar para ela alguma utilidade, algo que a justifique, que a exima da culpa de ter nascido para escrever num país não desenvolvido. Gravar sermões nas igrejas e depois as discussões na Assembleia Estadual de Pernambuco não foram suficientes para reverter o papel secundário da escrita na própria história do Brasil.
Talvez, agora percebemos, essa luta já seja ultrapassada. Talvez a necessidade seja, atualmente, reconhecer esse próprio caráter secundário da escritura, e com ele fazer alguma coisa. Trabalhamos.
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A máquina de madeira
Miguel Sanches Neto
248 páginas
Preço sugerido: R$36,00
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“Se temos madeira, também temos cupim, muito cupim, com uma voracidade que só os insetos tropicais sabem ter, e também com uma assustadora capacidade de reprodução. [...]Nos trópicos, tudo estragava muito mais rápido. Tudo envelhecia de maneira muito mais veloz. Ele mesmo, que não tinha ainda quarenta anos, já se sentia um ancião. Nem se fôssemos feitos de ferro suportaríamos a vida aqui, e no entanto somos feitos de madeira”.
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